José Bezerra é membro da Academia de Cultura da Bahia e da Academia Literária do Amplo Sertão Sergipano. É autor do livro Lampião - a Raposa das Caatingas.
Link do sumário do livro abaixo - copie e cole no navegador:
http://araposadascaatingas.blogspot.com.br/
domingo, 27 de abril de 2014
Lampião esteve em Carira (SE) duas vezes. A primeira foi na noite de 1º de março de 1929.
A segunda vez foi na manhã do dia 24 de novembro, um domingo. Demorou algumas horas no
povoado, fez compras nas bodegas de Zé Martins e Balbino e rompeu pela estrada de Altos Verdes, em direção da Cotinguiba. Foi nessa ocasião que ele esteve em Dores, Capela e Canhoba, indo depois se encontrar na fazenda Jaramataia, município de Gararu, com Eronides de Carvalho, oficial do Exército que viria a ser governador de Sergipe.
Transcrevo, a seguir, o capítulo 91 do meu livro Lampião – a Raposa das Caatingas, em que faço a descrição da primeira incursão do famoso cangaceiro por Carira, à época um povoado do município da vila de São Paulo, atual Frei Paulo. Faço essa transcrição com o propósito de assim contribuir para o registro desse fato da história do cangaço, porém lembrando que é proibida a sua reprodução integral ou parcial sem a autorização prévia do autor.
Transcrevo, a seguir, o capítulo 91 do meu livro Lampião – a Raposa das Caatingas, em que faço a descrição da primeira incursão do famoso cangaceiro por Carira, à época um povoado do município da vila de São Paulo, atual Frei Paulo. Faço essa transcrição com o propósito de assim contribuir para o registro desse fato da história do cangaço, porém lembrando que é proibida a sua reprodução integral ou parcial sem a autorização prévia do autor.
"PRIMEIRA INCURSÃO DE LAMPIÃO
POR SERGIPE: CARIRA
A partir do combate de Curralinho, a situação tinha fugido ao controle
de Lampião. Desde então, já haviam sido mortos 7 policiais
na Bahia. Isto significava que teria problemas pela frente. Não podia mais
continuar repetindo o refrão de que viera à Bahia apenas para descansar.
No dia 1º de março de 1929, ele atravessou a divisa para Sergipe e dirigiu-se
ao povoado de Carira, pela estrada do Descoberto.
Lampião chegou a Carira às 5 horas da tarde. Havia chovido ou pouco. O povoado, assentado numa ladeira de barro vermelho e
escorregadio, tinha só uma pracinha e uns fiapos de ruas tortuosas e estreitas
nos dois cantos superiores da praça; os cantos de baixo da praça davam para os
matos – de um saía a estrada para o Gameleiro, e na esquina do outro, do lado
do poente, ficava o quartel, com uma grota no fundo.
Lampião parou ao lado do cemitério e mandou o guia levar um bilhete ao
delegado Felismino Dionísio, pedindo permissão
para entrar no arruado.
Felismino, que era
marceneiro e tinha um terreninho colado ao povoado, morava a uns vinte metros
do quartel. Estava serrando uma tábua quando recebeu o recado. Pensou rápido:
devia pedir aos soldados que ficassem de prontidão até segunda ordem, e
precisava avisar aos compadres e amigos – providência desnecessária, pois o
guia, na vinda, já passara de casa em casa prevenindo os moradores do perigo
iminente, dando início a uma correria como nunca se viu.
Tendo o delegado custado a dar a resposta, Lampião perdeu a paciência
e, acompanhado de sete cangaceiros – Luís Pedro, Virgínio, Ezequiel, Mariano, Corisco, Arvoredo
e Volta Seca –, todos montados, entrou pacificamente no lugarejo. Dos
seis homens que compunham o destacamento local – o cabo Adalberto e cinco
soldados –, quatro fugiram.
Lampião e seus cabras dirigiram-se à casa do delegado. A autoridade foi
ao encontro do temido visitante. Lampião apresentou-se formalmente e pediu que Felismino providenciasse lenha e mandasse acender o
fogo para assar carne, pois os meninos estavam com fome. Convidou o delegado
para comer também.
Enquanto uns assavam a carne, outros cangaceiros deram uma volta pelo
arraial, fizeram compras e se encheram de cachaça. Quando contaram a Lampião
que quatro soldados tinham fugido mas um tinha ficado com o cabo na delegacia,
ele mandou que levassem cachaça e um maço de charutos para os dois bravos
defensores do povoado. Mais tarde, Lampião foi pessoalmente à delegacia para
elogiá-los, dizendo que eles honravam a polícia de Sergipe, pois não correram.[1]
Lampião pediu a um comerciante chamado Messias Simões para abrir sua
loja, porque precisava comprar pano para fazer roupas para os seus cabras.
Messias atendeu, tentando esconder o medo. Tinha certeza de que sua loja ia ser
saqueada. Mas, fazer o quê? Enquanto Messias media, cortava e empacotava os
tecidos, Lampião fez algumas perguntas. Queria saber quais eram as cidades mais
próximas, e se tinham muitos soldados. Seu interesse maior era quanto a São
Paulo (atual Frei Paulo). O comerciante mentiu, dizendo que em São Paulo tinha
uns 40 homens em armas. Lampião fez mofa:
– Eu entro lá se tiver duzentos, quanto mais isso!...
Lampião pagou as compras, mandou um cangaceiro levar os embrulhos,
despediu-se de Messias e voltou à casa do delegado.
Lampião decidiu visitar algumas pessoas, aquelas de maiores posses,
como Alexandre Barreto, que era suplente do juiz e dono de um vapor de
descaroçar algodão, para pedir dinheiro. Estava de bom humor. Contou passagens
de sua vida, explicando que só se tornou cangaceiro porque a polícia matou o
seu pai. Falava bem. Tinha uma conversa inteligente. Era cortês com as pessoas.
Ouvia com atenção o que lhe diziam. E era irônico.
Tarde da noite, lembrou-se que poderiam fazer uma festa. Perguntou se
alguém no povoado sabia tocar sanfona. Como ninguém sabia ou não se atrevesse a
se prontificar para tal, os cabras improvisaram uma cantoria, sapateando no
meio da pracinha, cantando Mulher
Rendeira. Lampião despediu-se dos presentes, soprou o apito para reunir os
cabras e partiu, acenando com a mão e dizendo alto, para que todos ouvissem:
– Tou ino pra Cipó-de-Leite e de lá vou pra Serra Nega!
Era uma hora da madrugada. Duas horas depois, um destacamento de 50
soldados chegou da Bahia. A tropa era comandada pelo tenente Abdias Andrade, de
Jeremoabo.
O delegado Felismino exultou quando
viu a força chegar:
– Tenente, foi Deus qui mandou o sinhô aqui! Lampião iscapou pur pouco!
Saiu agorinha mermo, e foi pro Cipó-de-Leite, logo aqui, pertinho! Só tá cum sete home!
Abdias desconversou:
[1] Soldados que
permaneceram no quartel: Zé Antônio e Antônio de Juza: João Hélio de Almeida, Carira, p. 65.
[2] Coordenadas geográficas do antigo quartel de polícia: 10º 21' 50.76" S, 37º 42'
00.36" W. Casa do delegado: 10º 21' 51.48" S, 37º 41' 58.92" W. O Paulistano (Frei Paulo, ex-São Paulo), de
3.3.1929. O Imparcial (Salvador), de 9.3.1929, p. 1. A Tarde (Salvador), de 17.4.1929, p. 3. Joaquim Góis, ob. cit., p. 52-53. Oleone Coelho
Fontes, ob. cit., p. 59-61. Frederico
Bezerra Maciel confunde esta passagem de Lampião por Carira com outra incursão
do cangaceiro por ali, dizendo que essa visita a Carira teria ocorrido em novembro de 1929:
ob. cit., v. IV, p. 37-38. Relatório do subdelegado Felismino Dionísio dos
Santos ao chefe de polícia de Sergipe, Arquivo Público, Aracaju, Pacote SPI 37:
Billy Jaynes Chandler, ob. cit., p. 131-132,
nota 24.
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Sobre esses fatos, expostos aqui em apertada síntese, leia os capítulos 109 e 127 de Lampião – a Raposa das Caatingas:
Capa do livro
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